Palavra

Um minuto de silêncio. Sessenta segundos frente a 87 anos que, nem de longe, remetem-nos a uma vida silente. De repente, em um entreabrir dos olhos, foi o tal silêncio o que restou de sua onipresença. Muito além de discorrer sobre o homem, O Mestre debruçava-se puramente sobre a palavra; era ela, de fato, a protagonista de suas histórias. É pensar nele para que a importância e o trato com a palavra sejam, imediatamente, retomados. Mais do que nunca, precisamos dessa retomada.

Em uma época em que reticências viraram moda, abdicando-se da prolixidade de vírgulas, pontos e vírgulas e interrogações, não é de causar espanto que a palavra em 140 caracteres seja a imposição, a mais nova ditadura; não é de causar arrepios que as palavras inspirem desconfiança, ironia e – por que não? – medo. Nunca estivemos tanto no tão raso, quando é a profundidade e o seu “por descobrir” que excitam, seduzem e viciam.

Talvez estejamos tomados pela superficialidade do desamor à palavra, estejamos eclipsados pelo frenesi da quantidade que pretere o que de mais nobre há em todo e qualquer “alguma coisa”: a qualidade. Portanto, é preciso que a palavra volte a vestir roupa de gala, seja cuidada, respeitada e, acima de tudo, admirada. Escreve-se bem, fala-se bem, enfim, age-se articuladamente muito mais pelo autodidatismo deste amor à palavra do que graças às técnicas relesmente padronizadas.

Aquele e todos aqueles que, assim como Ele, descobriram e provaram o quão prazeroso é fazer amor com as palavras, como Rubens Alves nos aconselhou praticar, devem ser a força motriz da nossa transformação interior para o reencontro com a beleza e a preciosidade da palavra. Que saiamos do raso que nos afoga e possamos nadar nas profundezas que nos dão vida e nos mantém a salvo das esparrelas do reducionismo, da monotonia e da repetição. Somente assim, a onipresença Dele e de todos eles não será suprimida pelo silêncio de quando partirem. Somente assim, não ficaremos nós reduzidos ao nosso próprio silêncio.

José Saramago (1922-2010)