26 de novembro de 2010

Eu não sei de onde vem o tiro...

O dia em que o Rio sangrou. O dia no qual todos os brasileiros foram um pouco cariocas e em uníssono pediram paz. O dia em que muitos não quiseram acreditar nas cenas que viam pela televisão. O dia em que todos se sentiram mais fracos, mais vazios, dilacerados. Um dia para ficar em silêncio e deixar que o barulho fosse apenas aquele vindo da televisão e do rádio. Um dia para ser sempre lembrado, mas que deseja, unicamente, ser apagado da memória. Um dia em que o bem não venceu totalmente o mal, e este, com seus fuzis, andou, em linha reta, sob os olhos de todos nós através das câmeras de televisão. O dia em que o Rio chorou.

22 de novembro de 2010

F de...

* Texto publicado no blog PUCf5

Não há quem, um dia, não se tenha encontrado frente à tão famigerada questão. Seja em uma conversa no trabalho, no bar com amigos de amigos, em rodas típicas de aniversário de tia solteirona, no começo sofrido de uma terapia. O inquirimento é tão certeiro quanto mísseis de trajetória programada, e o resultado – destruidor, por que não? – tão imprevisível quanto. A ousadia é tamanha que a alegria é preterida pelo estado supremo de felicidade, é sempre dela que se pergunta, é sobre ela que interessa saber. E, então, surge a pergunta; ela sai como um impulso, por vezes acompanhada de um pedido de desculpa ou uma explicação qualquer. “Você é feliz?”

Você, é feliz? Pergunta que eleva do chão, que varre a memória sentimental de toda uma vida, emociona, tira o ar, acelera o batimento cardíaco. E, depois de um quase transe pelos corredores das sensações mais íntimas, vem o suspiro; somos devolvidos ao chão, desanimados, desapontados. É o que “A Suprema Felicidade”, novo filme de Arnaldo Jabor, faz conosco. Damos um pulo e... Caímos. De cara. Sem sutilezas. Sem supremacia. Sem felicidade.

Não são as personagens em si, não é o espaço e nem o tempo. Atores a contento interpretam tipos cotidianos, em uma cidade que, como definiu o próprio Jabor, é personagem – o Rio de Janeiro. O tempo é coisa relativa, traz o tom de anos pós-guerra, o ritmo de uma cidade que se rende ao deleite da musicalidade, da tropicalidade, da bebida, da lascívia; é o bucolismo e a melancolia em suas formas mais bem acabadas. O descompasso está nas lacunas deixadas pelo filme. Ao longo desse, fatos da infância e mocidade do diretor se coadunam em um mosaico curioso, sim, mas que parece encerrar-se em si mesmo.

Se há uma promessa temporária de felicidade, como expôs Luiz Zanin Oricchio*, frustramo-nos por ela não ser capaz de nos envolver. O motivo é a esparrela do narcisismo, do gozo solitário, que fascina a ti mesmo, mas não aos seus pares. Identificar-se com os dramas do filme, por mais ordinários que sejam, fato essencial para que esse te cative e encante, exige esforço. Há de se deter nos mínimos detalhes desta teia de sensações para poder costurá-la à sua própria. Por fim, talvez seja este exercício de reflexão o melhor que “A Suprema Felicidade” pode nos dar, logo, não se decepcione caso o contentamento não te atinja de chofre. Não se decepcione caso não saiba responder se a felicidade é sua companheira, sua amante. Supremacias são ilusões. A felicidade, talvez, também seja.


* ”A armadilha da cápsula narcísica do memorialismo”, Luiz Zanin Oricchio. O Estado de S. Paulo, 29/10/2010

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