22 de novembro de 2010

F de...

* Texto publicado no blog PUCf5

Não há quem, um dia, não se tenha encontrado frente à tão famigerada questão. Seja em uma conversa no trabalho, no bar com amigos de amigos, em rodas típicas de aniversário de tia solteirona, no começo sofrido de uma terapia. O inquirimento é tão certeiro quanto mísseis de trajetória programada, e o resultado – destruidor, por que não? – tão imprevisível quanto. A ousadia é tamanha que a alegria é preterida pelo estado supremo de felicidade, é sempre dela que se pergunta, é sobre ela que interessa saber. E, então, surge a pergunta; ela sai como um impulso, por vezes acompanhada de um pedido de desculpa ou uma explicação qualquer. “Você é feliz?”

Você, é feliz? Pergunta que eleva do chão, que varre a memória sentimental de toda uma vida, emociona, tira o ar, acelera o batimento cardíaco. E, depois de um quase transe pelos corredores das sensações mais íntimas, vem o suspiro; somos devolvidos ao chão, desanimados, desapontados. É o que “A Suprema Felicidade”, novo filme de Arnaldo Jabor, faz conosco. Damos um pulo e... Caímos. De cara. Sem sutilezas. Sem supremacia. Sem felicidade.

Não são as personagens em si, não é o espaço e nem o tempo. Atores a contento interpretam tipos cotidianos, em uma cidade que, como definiu o próprio Jabor, é personagem – o Rio de Janeiro. O tempo é coisa relativa, traz o tom de anos pós-guerra, o ritmo de uma cidade que se rende ao deleite da musicalidade, da tropicalidade, da bebida, da lascívia; é o bucolismo e a melancolia em suas formas mais bem acabadas. O descompasso está nas lacunas deixadas pelo filme. Ao longo desse, fatos da infância e mocidade do diretor se coadunam em um mosaico curioso, sim, mas que parece encerrar-se em si mesmo.

Se há uma promessa temporária de felicidade, como expôs Luiz Zanin Oricchio*, frustramo-nos por ela não ser capaz de nos envolver. O motivo é a esparrela do narcisismo, do gozo solitário, que fascina a ti mesmo, mas não aos seus pares. Identificar-se com os dramas do filme, por mais ordinários que sejam, fato essencial para que esse te cative e encante, exige esforço. Há de se deter nos mínimos detalhes desta teia de sensações para poder costurá-la à sua própria. Por fim, talvez seja este exercício de reflexão o melhor que “A Suprema Felicidade” pode nos dar, logo, não se decepcione caso o contentamento não te atinja de chofre. Não se decepcione caso não saiba responder se a felicidade é sua companheira, sua amante. Supremacias são ilusões. A felicidade, talvez, também seja.


* ”A armadilha da cápsula narcísica do memorialismo”, Luiz Zanin Oricchio. O Estado de S. Paulo, 29/10/2010

Leia também: "Nada é só bom", de Eliane Brum


5 comentários:

  1. F de... Nos leva a refletir, mais uma vez, sobre a felicidade. Será que a plena felicidade realmente existe? Estamos no topo e de repente caímos, estamos no auge e de repente no escuro. Lidar com felicidade exige muita maturidade, esta, para não nos tornar pessoas iludidas que vivem num mundo irreal. Felicidade é aquilo de momento, aquilo que deve ser encontrado em pequenos gestos e atitudes. B.P, incrível como voce nos faz refletir sobre assuntos que nem nos damos de conta. Parabéns pelo dom de conseguir encantar as pessoas e faze-las pensar no que é realmente necessário. Saudades daquelas longas conversas. Beijoos

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  2. Pois é amiguinha. Seu texto como sempre é impecável, e me leva a pensar em algo que não ocupa meus pensamentos diariamente- a Felicidade - dizem que quando não se nota o tempo passar é porque estamos vivendo felizes.Não sei bem,mas achei que este ano voou, não passou. Talvez seja por excesso de trabalho, ou estar sempre ocupado, ou não ter tempo ocioso pra pensar besteira, ou talvez eu esteja apenas vivendo feliz com minha esposa e companheira de mais de 30 anos e minha familia e meus amigos, entre os quais eu conto vc com muito orgulho.
    Beijos fraternais menina, e sucesso!

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  3. THAYNA,

    chegar à alguma conclusão sobre a existência, e a plenitude, da felicidade às vezes parece algo tão inalcansável, não?

    Obrigada mais uma vez. Sempre querida, sempre sempre. E inesquecível! Saudade.

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  4. SIG,

    sabe que essa coisa de que quando não notamos o tempo é porque estamos felizes me fez pensar. Achei interessante, nunca tinha ouvido isso.



    Obrigada pelo incentivo sempre, Mestre!
    Beijos enormes!

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