15 de abril de 2011

Palavras sob pressão

Texto publicado na edição 70 do Contraponto, jornal laboratório do curso de Jornalismo da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP.

* Por Ana Beatriz Camargo e Isabel Harari


Yoani Sánchez, a blogueira cubana
autora do Generación Y
(Foto: Estela Caparelli)



“Exercício pessoal de covardia” é como ela define seu blog; “elétron livre”, a si mesma; e “expulsar seus demônios”, sua atividade. Assim é Yoani Sánchez, blogueira cubana que com seus textos pugnazes sobre a realidade de Cuba se tornou uma das personalidades mais influentes da blogosfera. Seu blog, Generación Y, é traduzido por colaboradores para mais de 20 idiomas e suas postagens batem recordes de mais de quatro mil comentários. Ele foi criado em 2007 para dizer na rede tudo aquilo que ela não se atrevia a expressar na vida real, como o descontentamento com a postura dos irmãos Castro e o desencanto em razão da asfixia econômica e da falta de liberdade política.

Engana-se quem pensa que a combatividade de Yoani é fato recente. Quando se formou em Filologia Hispânica, pela Facultad de Artes y Letras de Cuba, o tema de sua tese foi a literatura da ditadura na América Latina. Sua atuação no ciberspaço lhe rendeu muitos frutos: convites para escrever em veículos da imprensa internacional e diversos prêmios. Entre eles, o das 100 pessoas mais influentes do mundo concedido pela revista Time e menção honrosa pela qualidade jornalística do seu trabalho na premiação Maria Moors Cabot da universidade Columbia dos Estados Unidos, em 2009. Entretanto, em solo cubano, a fama de Yoani não é tão grande.

Era fevereiro de 2008, dezenas de repórteres das mais variadas nacionalidades estavam na ilha para cobrir a transferência do governo de Fidel para seu irmão Raul Castro. Seus relatos exportaram não só a situação política da época como apresentaram Yoani Sánchez ao mundo. Um mês depois, o blog não podia mais ser acessado em Cuba. O portal Desde Cuba, no qual ele e outros blogs estavam hospedados, fora bloqueado. Mesmo assim, a blogueira não cedeu e continuou com seus textos, apesar de não poder vê-los publicados e nem acompanhar os comentários.

Três anos depois, em 2011, “Abriu-se um buraquinho na longa noite da censura”. Foi assim que Yoani definiu o suposto desbloqueio de seu blog e de outros opositores cubanos hospedados no mesmo portal, bem como o site crítico cubaencuentro.com. Ela comentou que desconhece as razões do desbloqueio, mas especula que a Feira Internacional de Informática de Havana, aberta um dia antes, possa ter motivado tal atitude do governo. Há rumores na mídia internacional de que isso teria acontecido graças a uma falha tecnológica, já que a rede de internet em Cuba passa por modificações estruturais. Mas um aceno à liberdade de expressão não é descartado.

Internet – Para entender o impacto causado pelo bloqueio e o recente desbloqueio do site na vida dos cubanos comuns é preciso entender como é a internet na ilha. Desde 1996, são duas redes paralelas controladas pelo governo: a dos hotéis para os estrangeiros e a pública disponível em menos de dez pontos da capital Havana. Esta se resume a uma enciclopédia, e-mails, uma Wikipédia e sites de informação governamental. Já aquela, que sempre foi mais livre, é inacessível à maioria da população. Dos 11 milhões de habitantes, apenas 14% são usuários da internet, enquanto no México esse número é de 27,2% e na Argentina, 64,4%.

O preço de uma hora de conexão nos hotéis varia de €5 a €8 e nos poucos pontos de acesso público, de €1 a €2. O salário médio do cubano é de €13 mensais, logo, valores como esses são exorbitantes. E se o cidadão não pode pagar para se conectar à internet, quem dirá acessá-la de sua própria casa. Na ilha, é necessário permissão especial para se ter uma conexão, concedida apenas aos altos funcionários do governo e a alguns acadêmicos. Entretanto, o mercado negro é um subterfúgio: chaves de acesso autorizadas pelo governo são vendidas àqueles que pretendem furar o bloqueio cibernético e cair na rede.

A unanimidade nos discursos dos brasileiros que visitaram a ilha é que a ineficiência e a má qualidade do serviço não deixam dúvidas que a internet no país ainda está na fase embrionária. A cineasta de 31 anos, N., que morou de 2007 a 2010 próximo à capital, contou à reportagem que na porta da sala de informática da escola em que estudou, havia certos “termos de uso”, como “está proibido falar mal do sistema e da Revolução”. Ainda segundo a brasileira, há um ano e meio o MSN Messenger foi bloqueado e as contas dos cubanos, canceladas.

A explicação repetida pelas autoridades locais é que o embargo econômico aplicado pelos Estados Unidos, há cinco décadas, condenou a ilha à conexão via satélite, cuja velocidade é mais lenta e os custos de navegação maiores em relação a um sistema de cabos de fibra óptica. Além disso, a aquisição de softwares reconhecidos pelo Windows teria sido prejudicada, o que contribuiu para o sucateamento dos aparelhos disponíveis em Cuba. Segundo o vice-ministro de Informática e Comunicações, Jorge Luís Perdomo, "não há nenhum obstáculo político” e “existe total vontade do governo de seguir desenvolvendo o setor das comunicações”. Já para Yoani, o obstáculo é, sim, político e o embargo é a desculpa oficial para a inércia do governo.

Circulação da informação – Diferentemente do resto do mundo, onde a internet se apresenta como um dos meios mais pujantes, em Cuba a informação trafega de outras maneiras. A televisão e o rádio são os principais formadores da opinião pública, seguem a mesma linha editorial e dão as mesmas notícias que se resumem a esportes, desastres mundiais e política internacional. São seis canais de TV, todos estatais, e segundo N., “panfletários e muito ruins”. As emissoras de rádio são “parciais, mas boas”. Granma e Juventud Rebelde, para ela, não passam de fanzines – fanatic magazines –, jornais editados para promover o Estado.

A rede telefônica na ilha, nos últimos três anos, passou por modificações positivas: a quantidade de linhas domésticas aumentou e os vizinhos puderam ter cada um o seu telefone, evitando as extensões. O problema está nas ligações para fora do país: além de caras, elas são filtradas, ou seja, quando o assunto é Cuba, misteriosamente, caem. O jornalista Sandro Vaia, autor do livro “A Ilha Roubada – Yoani, a blogueira que abalou Cuba”, contou ao Contraponto que em novembro de 2009, após o sequestro seguido de agressão que a cubana denunciou ter sido vítima, ele demorou cerca de dois dias para conseguir uma ligação estável para reportagem da TV Bandeirantes. “Alguns amigos sempre brincavam dizendo que tudo e qualquer lugar estavam grampeados”, disse a cineasta N.

Monte de Las Banderas: 138 mastros foram erguidos
em frente ao painel da representação
estadunidense que divulgava notícias do exterior
(Foto: Reprodução)
Em 2006, foi instalado no quinto andar do prédio do Escritório de Interesses dos Estados Unidos, uma espécie de embaixada americana, no centro de Havana, um letreiro luminoso que passou a divulgar, entre outras coisas, notícias que não circulavam na ilha. Não deu outra, um mês depois, Fidel ergueu 138 mastros em frente ao prédio impossibilitando a leitura do painel. Um mastro para cada ano da independência cubana e no alto de cada um, uma bandeira negra em forma de protesto contra as restrições comerciais. A informação, mais uma vez, ficou atrás da bandeira.

A verdade é que o embargo econômico e a perseguição dos Estados Unidos ao regime socialista levaram ao colapso da informação, abrindo um abismo entre a visão dos cubanos acerca do mundo e o que nós pensamos deles. Para Sandro Vaia, “a visão de mundo que eles formam é deturpada, ou ela é contaminada pelos exilados de Miami que tem uma visão um tanto quanto estreita, ou pelo Partido Comunista, mais estreito ainda. Acho que eles estão um pouco perdidos no mundo e isso só se resolverá no momento em que tiverem acesso à imprensa independente”.

Futuro – Na falta do Tio Sam, quem ajuda é a Venezuela. Um acordo de US$70 milhões firmado há quatro anos por Hugo Chávez e Fidel Castro possibilitou que, desde o começo do ano, 1600 km de fibra óptica começassem a ser instalados para conectar o sudeste da ilha à costa venezuelana. Promete-se com isso uma conexão mais barata e 3000 vezes mais veloz. Porém, o vice-ministro Perdomo já adiantou que a nova ligação não será uma “varinha mágica”, já que mudanças na infra-estrutura da rede deverão ocorrer até que a internet chegue à casa das pessoas. Só que em Cuba, toda mudança é muita lenta.

O povo cubano está cansado do isolamento. Os cubanos de hoje não lembram, nem de longe, os guerrilheiros de Sierra Maestra, aqueles que junto com os Castro protagonizaram a Revolução de 59. A luta agora é outra: unir os benefícios de um regime socialista, como o acesso à educação e saúde de qualidade, à liberdade que a economia capitalista pode trazer devido a um mercado mais plural.

A sociedade do fervor revolucionário não é mais a mesma. Os Comitês de Defesa da Revolução (CDRs) não são mais os mesmos, embora ainda contem com oito milhões de integrantes, foram esvaziados da antiga função repressora; hoje, são articuladores de políticas sociais, trabalhando junto à Defesa Civil. Os cubanos não são mais os mesmos: sem os auspícios fidelistas, eles já cobram mudanças econômicas e sociais com mais veemência. Nas palavras de Yoani, Cuba é hoje uma “ilha que parece flutuar no nada, e não no Caribe”.

Yoani vai muito além de algum posicionamento político determinado, de algum partido, de um mero discurso. O que ela almeja é transformar a vida dos cubanos que se aventuraram não a atravessar o Estreito da Flórida, mas a permanecer na ilha, vivendo sob suas carências e contradições econômicas, políticas e sociais. Os insultos de Yoani nunca foram diretamente para esse ou aquele governante, mas sempre para o incômodo de um dia a dia sem liberdade. Mas de nada adianta que a sua voz possa agora soar se ela não chegará aos ouvidos dos cubanos. Enquanto houver filtros, sejam eles concretos ou ideológicos, ainda haverá silêncio.

“Como também não tenho vocação para mártir, procuro fazer com que não me falte o sorriso, porque as gargalhadas são pedras duras para os dentes dos autoritários. Assim, continuo a minha vida, sem deixar-me transformar em puro gemido, em só um lamento. No fim das contas, tudo isso que hoje eu vivo é produto também do meu silêncio, fruto direto da minha passividade anterior.” Yoani por Yoani.

Um comentário:

  1. A Caixa de Pandora

    Quando criança
    Eu falava com os anjos,
    Enxergava o mundo
    Com os olhos da Inocência.

    Cresci, tornei-me um homem
    Cheio de idéias, metas e planos.
    Abri minha caixa de Pandora
    E só encontrei o engano.

    Revoltado e sem esperança, lancei-a ao mar
    Junto com a minha frustração
    Que, calada, não se manifestou.

    E agora, o que fazer?
    O passado sepultei,
    O presente neguei,
    O que dirá o meu futuro?

    Arrependido, voltei ao penhasco e,
    Ofegante, a caixa procurei.
    Por um momento, desesperançoso, orei.
    O que eu desejava não acontenceu,
    Mas uma resposta um anjo me deu:

    Revelou-me que sem lutar
    Um homem derrotado se torna.
    Sem objetivos e sem sonhos
    Sua vida é vazia de glórias.

    *Do livro “O ANJO E A TEMPESTADE”, de Agamenon Troyan

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