11 de maio de 2010

Hobbes por Fidel - a cartilha de um ditador

Alcançar a paz e evitar injustiças, esses são os nobres princípios nos quais o Contrato Social hobbesiano apóia-se. Destituir um golpista desenhado pelos baluartes da Revolução Cubana como mancomunado com a nata estadunidense e assim, e somente assim, semear a liberdade plena por toda a ilha caribenha eram, por sua vez, os nobres princípios de Fidel e seus guerrilheiros de Sierra Maestra. Analisando superficialmente as bases do “como agir” desenhadas por Thomas Hobbes e as intenções de agir de Fidel Castro, percebe-se certa paridade. Contudo, a ligação entre ambos vai muito além de nobres princípios, enrijecendo-se pelos caminhos tortuosos da “soberania” transfigurada de Hobbes. Entre uma tênue linha ideológica que possa diferenciá-los e uma irrefutável muralha do tempo que os distancie, a cartilha de Hobbes foi conservada e ganhou os contornos castristas. Nunca antes Hobbes fora tão atual, bem como Fidel nunca tivera tanto em quem se espelhar.

Crente na natureza destruidora do ser humano, proclamando a “Bellum omnia omnes” – guerra de todos contra todos – como o fim em si mesmo do direito humano sobre todas as coisas, Thomas Hobbes (1.588 a 1.679) construiu sua corrente de pensamento no credo de que a plenitude só seria alcançada quando o “estado natural” abrisse caminho a uma sociedade civil centralizada na figura de um homem ou de uma assembleia. Portanto, a paz seria o produto da concessão de parte das liberdades naturais dos cidadãos a uma autoridade inquestionável. Foi nesse ponto que Fidel encontrou abrigo.

Quando Hobbes destaca que aquele que recebeu da maioria o “direito de representar a pessoa de todos eles” (Leviatã - Cap. XVIII) é elevado a categoria de soberano incontestável e, portanto, não pode ter nenhuma de suas ações tidas como injúrias, ele “sacraliza” a figura de tal cidadão em princípio comum, tornando-o onipresente e onisciente. Dotado desse direito, as ações do soberano precisam obrigatoriamente ser encaradas como atitudes dos próprios cidadãos, não podendo estes então menosprezar ou preterir algo que tenham, indiretamente, consentido. Discurso esse cabal para um governo autoritário. Mais uma vez, Fidel reconhece-se aí.

Com discursos e pensamentos intrincados, Hobbes deixa por dizer que aquela concessão de parte das liberdades naturais toca justamente nas liberdades de manifestação do pensamento, seja pelo caminho de produções teóricas, bem como de ações práticas. É ao defender que cabe ao soberano julgar quais opiniões atentam contra a paz e quais são favoráveis à ela, bem como até onde podem ir aqueles que “falam às multidões de pessoas” (Leviatã – Cap. XVIII) e quem são os responsáveis por examinar livros antes de serem publicados que se identifica o caráter censurador imposto por Hobbes como pré-requisito para uma autoridade efetiva e, consequentemente, um estado pleno e justo.

Defendendo a centralização como causa e não como consequência de uma sociedade apaziguada e a submissão e o conformismo como seus elementos cruciais, Thomas Hobbes reflete-se em Fidel Castro assim como o Sol espraia-se em uma superfície metálica. Dono de um histórico de engajamentoo político em seus áureos tempos e denúncias em periódicos clandestinos contra a corrupção e os atos ilícitos dos governos de Carlos Prío e Fulgêncio Batista, o advogado Fidel fez de seu plano de governo, inicialmente democrático, nada mais que uma plataforma do “socialismo em uma ilha só” com um governo unipartidário. Seguiu a doutrina de Hobbes como se este fosse seu preceptor e saiu “à sua imagem e semelhança”.

Ao diminuir as tarifas sobre a eletricidade e sobre os livros escolares, ao dissolver o Congresso fraudulento e trazer de volta a Constituição de 1.940 – a mais democrática da história de Cuba –, ao nacionalizar o capital, estimular a diversificação da agricultura e convocar um programa de alfabetização, tudo isto no início de sua vida política, Fidel ganhou seguidores, defensores e mantenedores do amor pela revolução. Entretanto, com o tempo, surrupiou de si mesmo a sanidade de um comandante e perdeu-se no pântano dos megalomaníacos, empunhando a bandeira de que dissentir é trair e que os insurgentes são um atentado à paz nacional. Como se fosse possível haver paz entre tantas cartelas de racionamento que, sim, igualam a população mas o fazem em um nível de subvida para que não tenham forças emocionais, muito menos físicas, para um possível motim.

Como quem faz a guerra alegando ser ela santa, Fidel foi, pouco a pouco, com pequenas doses de veneno contaminando seus súditos, que agora na ânsia do vício ao menor sinal de abstinência entram em crise, surtam. Aqueles que fingiam beber o veneno quando na verdade cuspiam-no tentam agora salvar seus concidadãos das garras deste “médico” vil e asqueroso mas, infelizmente, ainda são pintados com a maquiagem da loucura e vestidos com a fantasia do perigo. Só não se pode negar uma coisa a respeito de Fidel Castro: que ele não sabe seguir modelos; ele provou que seguiu à risca a cartilha do Leviatã, transformando-se no próprio – um monstro semelhante a um crocodilo que impressiona pelo tamanho. Chamem o exorcista! Procura-se a liberdade.

Texto publicado no blog dos alunos de Jornalismo da PUC-SP/2010, PUClítica.

Leia mais:
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Do Brasil, com carinho...

3 comentários:

  1. Muito bem elaborado esse texto!
    E está muito bonito o novo layout!!!!!!!
    D+!

    Abraço Pry

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  2. Já estou te seguindo..
    Beijos!


    http://makeatrend.blogspot.com

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  3. Muito bem explanado Ana,estamos precisando de textos concisos como este,porque o mundo é uma escola e a vida é um circo...Obrigado pelo texto @CarlosCamargo1 -ontwitter...

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