15 de fevereiro de 2012

Chega de saudade


Há quase três anos, embalada por uma das minhas canções francesas preferidas, eu publicava no blog um texto sobre a perda. Eu falava desse sentimento capaz de me tirar do prumo e me render horas e horas de solilóquio, eu discorria sobre o quão desgastante é uma ruptura. No ínterim que separa aquele texto – escrito por uma estudante do alto dos seus 16 anos – deste, de uma universitária com seus 19, acredito que o que menos tenha mudado seja a minha relação com a danada da perda. Talvez agora ela seja cantada em poesia, ou em frases feitas, e pontuada pelo autoconhecimento que sessões de terapia podem proporcionar. A inquietação, entretanto, persiste.

Quando ainda começava a organizar as ideias no papel para o primeiro texto, uma frase chamou minha atenção dentre as demais: "a pior espécie de perda não é aquela causada pela morte – quando muitas vezes nada podemos fazer – mas sim, o distanciamento dos corpos, das almas na terra, quando pessoas vão se perdendo, sentimentos vão se perdendo, e no final, tudo que resta é o silêncio". Se a saudade da morte é como dizem por aí, o que "fica de quem não pode ficar", a saudade dos que se perderam em vida é para mim como para Carlos Drummond: algo de autoacusação e arrependimento.

Drummond também me salva com outro de seus aforismos sobre a saudade, este talvez o mais brilhante que eu já tenha ouvido, não pelo ineditismo de sua ideia, mas por conseguir por em palavras um aspecto da perda do qual eu não conseguira me dar conta: "também temos saudade do que não existiu, e dói bastante". Eu posso não ter medo de monstros, de insetos, de filmes de terror e nem mesmo de morrer (disso eu tenho "peninha", como já disse a Hebe Camargo), mas descobri que a minha paúra da perda vem da fobia desse tipo de saudade. Como escreveu Fernando Pessoa, uma saudade que não é nem do passado e nem do futuro, mas sim do presente – uma saudade anônima, prolixa e incompreendida. Justamente aquela que mais punge por ser a estranha falta do que nunca existiu.

John Donne, em seu livro "Meditações", escreveu que a morte de qualquer ser humano diminui a todos nós – a famosa frase do "não me perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti". Nesta terça-feira perdi meu avô materno para o câncer e percebi que mais triste que a morte, é a falta que faz sentir falta de memórias construídas, de sorrisos compartilhados, do que poderia ter sido e não foi. Mais uma vez, a saudade do que não existiu resolveu mostrar suas garras mais salientes tentando me puxar para o limbo, quando eu revidei com um belo “chega para lá”. Se “o passado não tem entrada e o futuro não tem saída” (Norbert Elias), me resta tourear o presente com a mesma garra que meu avô lutou contra a doença. Que ele fique em paz e que a perda não nos assuste mais. Só por hoje.

3 comentários:

  1. Ja me disseram que choramos a perda por egoismo.Estranho pensar assim... nosso egoismo nos faz lamentar que um ente querido tenha conseguido se libertar do sofrimento e que não vao mais estar conosco.Passei por isso quando meu pai morreu.é egismo mesmo? sei não.. sei não..

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  2. Ja me disseram que choramos a perda por egoismo.Estranho pensar assim... nosso egoismo nos faz lamentar que um ente querido tenha conseguido se libertar do sofrimento e que não vao mais estar conosco.Passei por isso quando meu pai morreu.é egismo mesmo? sei não.. sei não..

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    1. Penso que esse sentimento não deixe de ter toques de egoísmo também, Sig... Afinal, somos nós que sofremos com a perda, enquanto quem partiu, muitas vezes, se libertou do sofrimento da dor física e psicológica. Mas, muito além desse egoísmo camuflado de saudade, estão sentimentos mais fortes, mais carrancudos...

      A perda de alguém próximo a nós me parece que faz despertar na gente a noção de fim, de fragilidade. Somos lembrados por um empurrão que a vida, inexoravelmente, tem um fim.

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