15 de março de 2012

Tem mais samba no som que vem da rua

Foto: Ana Beatriz Camargo

Todo estudante de jornalismo que se preze está cansado de ouvir dos coleguinhas mais experientes: "eu gosto mesmo é da rua""é na rua que as coisas acontecem, é lá que eu me sinto bem""to na bancada, mas quero voltar para a rua o mais rápido possível". E se você não é jornalista, pode acreditar, é isso o que nós, focas, mais ouvimos. "Foca", que fique bem claro, é como a gente chama quem está começando na profissão - aquele cara ou aquela menina sem experiência que é tão foca mais tão foca que às vezes nem sabe que é foca.

Mas voltemos à rua. A foca que aqui escreve entrou na faculdade já acostumada com esse negócio de que é lá que os repórteres se realizam. E a ansiedade, mãe de todo universitário, só fazia aumentar a vontade de encará-la. Eu acreditava na rua, colocava uma fé danada nela, mas não deixava de pensar nas dificuldades que estariam por vir...

Esperar horas e horas sob o sol – quando não aquela chuvarada –, correr atrás de autoridade, encarar um empurra-empurra para conseguir uma declaraçãozinha aproveitável, acompanhar o entrevistado no seu perrengue diário que virou pauta, apertar o colete à prova de balas, se esconder das balas perdidas, conversar com quem acabou de perder um parente, dar um jeito de entrevistar uma criança sem expô-la ao ridículo e ao perigo.

Veio a faculdade, pintaram umas pautas legais, mas ainda de forma acanhada. Fui aos poucos, talvez assim o baque não seria tão grande. E se eu falhasse? Ou pior, e se eu não gostasse da rua? Dar-se bem ou não com ela me configuraria como uma boa ou má jornalista, pensava eu... E agora?

De repente, apareceu a TV PUC. Eu poderia, finalmente, fitar a rua com os olhos atrevidos de uma estagiária e com o respaldo de uma equipe experiente (salve salve cinegrafistas e auxiliares!). Tá, mas e se eu não me desse bem com ela, se não tivesse aquele tesão, sabe? E se fizesse feio? "O bom jornalista gosta da rua! O bom jornalista gosta da rua, Ana Beatriz!" – mais um dos meus solilóquios.

Vieram as entrevistas com professores, declarações do reitor, grava passagem para a matéria, entrevistinhas (nosso bom e velho "povo fala") com gente na Av. Paulista, até com a Denise Fraga eu falei – e suei, como eu suei com o medo de fazer as perguntas de sempre e cair no mais do mesmo. Até que o dia D chegou. A rua estava me esperando.

Para começar, encontro de ciclistas em uma avenida importante e movimentada de São Paulo. Eles iriam se reunir para fazer barulho, lembrar dos cincos ciclistas atropelados na semana anterior e sinalizar pela necessidade de debater o planejamento viário da cidade. Os ânimos estavam exaltados e eu, como já vinha estudando o assunto, transbordava em dúvidas e em vontade de conversar sobre o assunto.

A Praça do Ciclista foi se enchendo a ponto de ficar impossível atravessá-la. A conversa de cada grupinho que se formava ali na hora era uma espécie de conversa coletiva. E eu precisava me enfiar no meio daquele pessoal todo e perguntar: "você usa a bicicleta como meio de transporte?". Daí engatar uma conversa.

Sempre me tacharam de tímida, aquela mais acanhadinha, e confesso que entre a timidez e a falta de vergonha, a primeira sempre combinou mais comigo. O engraçado é que na hora de resolver um problema, opinar ou apenas ler a redação feita para a aula, a vergonha se esfacelava. Com o tempo, as mãos já não suavam mais e a voz nem desaparecia. Assim, para que perder tempo temendo uma entrevista ou uma gravação em meio a um monte de gente? Friozinho na barriga é tão mais legal!

No fim da noite, eu já tinha apurado informação com agente de trânsito, encarado entrevistado não tão simpático e até conversado com uma autoridade no assunto das bicicletas. Quando os ciclistas resolveram partir da concentração e pedalar pela avenida, aí o coração bateu mais forte. Eu tinha estudado tudo, menos como "controlar" ciclistas e pedestres na Avenida Paulista para que eu pudesse raciocinar e me decidir entre filmar com o celular, tirar foto, seguir o grupo ou procurar o cinegrafista.

Foi um batismo lindo! Livrei-me do pecado original de todo foca que é não conhecer a rua com suas próprias pernas. Não pisei num campo de batalha, nem tampouco eu estava em algum palco daquelas tragédias naturais anunciadas, mas fiz dali meu grande desafio. Quem aprende a voltar para redação com material bom e suficiente em coberturas ditas "simples", na grande cobertura fará um trabalho melhor do que aquele que ficou a vida inteira esperando por um grande acontecimento e não se importou em pinçar os causinhos do dia-a-dia.

Hoje eu penso que a relação entre o jornalista e a rua vai muito além daquela necessidade, quase obrigação, que eu imaginava antes. O bom repórter – aquele que respeita a informação e vê seu entrevistado com dignidade – gosta da rua e se dá bem com ela de forma descompromissada, sem essa de definições. Ele gosta e ponto. E cabe a cada foca encontrar o seu porquê de gostar tanto dela.

Para mim, se é na rua que a gente faz o filho, o parto acontece na redação, e qualquer problema em um desses momentos afeta o produto final. Hoje, mais do que nunca, eu acredito na rua, coloco uma fé danada nela, mas ainda não deixo de pensar nos percalços do caminho. Se eu aprendi uma coisa com os bicicleteiros  e com o Chico Buarque  é que "tem mais samba no som que vem da rua". E mesmo não sendo uma exímia dançarina, é nesse ritmo que eu quero pegar carona.

O resultado:

6 comentários:

  1. O tema mobilidade urbana é algo ainda pouco discutido e na maioria das vezes ignorado pela sociedade, porém, iniciativas como essa passam a a esclarecer um pouco mais a questão e trazer uma reflexão importante para todos: como queremos o livre trânsito se nem damos esse direito aos outros?

    Parabéns pela reportagem, Ana Bia!Vou acompanhar esta série que promete ainda ser de grande relevância social.

    Beijos

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    1. Concordo, Ana! O "problema dos ciclistas" (expressão que andam cunhando por aí) é a porta de entrada para a discussão de como vamos nos locomover pela cidade daqui para a frente.

      Muito obrigada, amiga, e continue acompanhando e declarando!

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  2. Que linda, a jornalista tá crescendo! hahahaha! Muito legal, Bia. Gostei da forma como você abordou a nossa ansiedade como estudante, nossos medos, etc. É bem assim mesmo. Sem contar que esse tema é bem pertinente também, vale à pena ser explorado. Com a enorme quantidade de automóveis que invade as ruas todos os dias, a mobilidade urbana tem muito que ser discutida ainda, sem dúvidas. Parabéns pela matéria, Bia! Sucesso nos próximos posts.

    Beijos

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    1. Aninha! Você viu? To ousando até a falar sobre as experiências da profissão já! rsrs

      Fico feliz que você passou aqui no Declarando. Vamos repetir essas visitas de vizinhas aqui na blogosfera.

      Sucesso pra nós!

      Beijo

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  3. Priiima! :-)

    Amei esse post e sempre que dá, leio todos os assuntos!
    Você já ta sabendo e deve estar sentindo minha ansiedade como sentiu quando estava no comecinho...
    Ainda não sou uma foca. Serei e me livrarei dela, espero que logo! Rsrs
    Assim como você temia, eu tenho medo da rua e todos aqueles pensamentos inseguros - normais - estão borbulhando na minha cabeça nesse instante!

    Obrigada pela ajuda que está me dando,
    Um beijo.

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    1. Prima, não pense em se "livrar" da foca, não. Pelo menos, não daquele frio na barrega, da dedicação para se jogar em um assunto e ler muito sobre ela, da humildade de colocar suas dúvidas para quem entende do assunto. Outro dia eu vi uma entrevista com a Mônica Waldvogel e ela falou uma coisa que acho muito certa: que até hoje ela se sente uma foca, porque a todo momento surgem fatos que ela desconhece e lá vai ela de novo se atirar com a humildade de uma principiante.

      E deve ser sempre assim! Tenha isso em mente! O que devemos abandonar da "era foca" é a falta de experiência em lidar com entrevistados, em tourear a vastidão da informação e o ego - afinal, jornalista quando quer se matar precisa apenas subir no ego e pular.

      É isso! Boa sorte desde já!

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