11 de maio de 2011

Que viva o negro!

É fato sabido que, no ano de 1888, a Princesa Regente Isabel assinou a lei que acabaria com cerca de três séculos de escravidão no Brasil. Entretanto, o que fica subentendido deste episódio é o tratamento dado àqueles que, de repente libertos e independentes, precisaram tomar conta de suas próprias vidas e que estavam longe de brigar em pé de igualdade com a massa trabalhadora branca e de alforriados, que já disputava um mercado até então embrionário. Assinou-se a lei e se impediu a escravidão, mas quanto às condições oferecidas aos negros, pouco esforço foi despendido. A elite produtora precisava de mercado consumidor e acabou por apoiar a decisão da Corte, manchando o caráter libertário do movimento abolicionista de Joaquim Nabuco.

Agora, às vésperas do 13 de maio e da comemoração dos 123 anos da abolição da escravatura em solo tupiniquim, há de se questionar como vive o negro, quais são seus algozes em pleno século XXI, o que corrompe sua dignidade e com quais artifícios ele combate o preconceito. Para que as respostas não omitam a verdade, além de dados estatísticos auferidos pelos grandes institutos e ONGs, é necessário permitir que a subjetividade entre no debate e, respaldada pela razão, assuma um papel importante. Afinal, não é apenas contra os baixos salários que os negros levantam a voz, mas principalmente, contra o preconceito que corrói.

O debate sobre a condição atual do negro e os rumos da nossa sociedade esbarra acertadamente na questão da criminalização da pobreza e da negritude – estereótipos como o “favelado bandido” e o “negro maloqueiro” não deixam dúvidas. Dados da pesquisa Mapa da Violência feita neste ano apontam que, de cada três jovens assassinados, dois são negros. Uma contra-argumentação de que nada mais numericamente provável, já que há mais negros do que brancos no Brasil, segundo recente relatório do IBGE, pode até ser apresentada, entretanto, sua vida é curta. Explica-se: segundo a mesma pesquisa de 2011, enquanto o assassinato de jovens brancos diminuiu 23,3%, o de negros na mesma faixa de idade aumentou 13,29%. O descompasso é gritante. A situação é abusiva.

Passando do jovem à mulher, o flagrante continua a chamar a atenção. Por dia, morrem mais de duas mulheres pretas devido às complicações na gestação, enquanto o mesmo problema vitima 1,5 mulher branca (Relatório Desigualdades Raciais, UFRJ – 2010). Apesar da diferença entre o número de desempregados negros e não-negros ter diminuído à metade nos últimos doze anos, a renda destes ainda é quase o dobro que a daqueles. Dependente então do sistema público de saúde, a população negra fica sujeita às carências e protelações de um sistema deficiente. Outros números da UFRJ endossam a afirmação: 40,9% das mulheres pretas e pardas nunca fizeram mamografia e 18,1%, por sua vez, nunca fizeram Papanicolau.

A disparidade no que tange à escolaridade é mais um ponto a ser observado e que ajuda a chegar à conclusão de que, para alcançar os brancos, os passos dos negros precisam ser muito largos. O Relatório Desigualdades Raciais da UFRJ destaca que 71,6% dos 6,8 milhões de analfabetos que frenquentaram a escola entre 2001 e 2009 eram pretos e pardos. Neste cenário, destacam-se iniciativas primorosas como a Faculdade Zumbi dos Palmares, instituição privada sem fins lucrativos que, mantida pelo Instituto Afro Brasileiro de Ensino Superior, tem como missão incluir o negro nos bancos acadêmicos e colocá-lo no mercado com condições reais de competir por uma vaga de emprego.

Esse punhado de dados, que circunscreve o drama – sem qualquer exagero ao empregar tal palavra – e toda a infinidade mais que não foi aqui apresentada, evidencia o quanto ainda precisa ser feito na raiz do problema para que a causa negra reverbere como uma causa vencedora e devidamente respeitada. Prover educação e saúde de qualidade para que o negro brasileiro possa se impor a toda a população fazendo jus à sua história, passa pelo problema de que os sistemas públicos educacional e de saúde brasileiros não vão nada bem, claudicam a duras penas, esfacelam-se dia a dia graças ao descaso, à corrupção e ao desvio de verbas. Tudo isso sob a égide de um Estado que não cumpre, nem faz cumprir, sua atribuição de garantir uma vida digna aos cidadãos.

Criminalizar os movimentos sociais – ainda que se deva analisar suas formas de atuação e condenar severamente as infrações – só distancia o problema de sua solução e entrega o quão pervertida é uma sociedade que prefere o luto e pretere a luta. Viva o Movimento Negro e todos aqueles que morreram para que ninguém mais morresse amargando a dor da discriminação e o pesar da desigualdade. Enquanto houver o preconceito, haverá luta e, enquanto a luta não for respeitada, haverá luto. Todos perderão. Afinal, “a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti” (John Donne).

2 comentários:

  1. Opa,amanhã é o dia de nós Negros comemorarmos.
    Mas sabe..no Brasil não é feriado pela abolição da escravatura mas em Carnaval e outras bobeiras são...engraçado...

    Abraços e tudo de bom
    ..........................
    www.rimasdopreto.com

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  2. Ate que todos sejam considerados apenas como humanos sem diferenciação de cor, acho que se passarão,digamos, 1000 anos. O processo é longo e mal esta começando.

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